Hoje o meu
jardim vestiu-se de verde só para mim. Saí cedo de casa, ainda
estremunhada pela normal correria matinal e ele sorria, tranquilo, com o
seu manto verde claro.
Corri
por entre as árvores com a mala numa mão o cesto cheio de livros e
acessórios noutra e ainda os miúdos a resmungar com as mochilas que
nunca se ajeitam sozinhas, com as horas de sono que durante a semana
sabem sempre a pouco e com o meu passo a compasso da minha agenda,
sempre atrasado... Entrámos no carro lutando com as bagagens e os cintos
e partimos, tentando fugir das velhinhas que se atrasaram no caminho
até à escola.
Voltei
atrás depois, de me aperceber que um dos principais acessórios das
histórias não estava comigo, e foi a meio do jardim que o encontrei,
aliás ele é que me encontrou e se mostrou a mim. Por entre ponteiros
irrequietos e horários por cumprir, vi-me parada debaixo duma laranjeira
que o meu jardim preparara para mim, com perfume e pequenas flores para
me alegrar o dia. Olhei em volta, com os sentidos em alvoroço e vi-o sorrindo, dizendo "bom dia", em cada pequena
folha verde que acenava nas copas das árvores.
Sentei-me
num banco e, aliada dos carros e das pessoas que apressadas perseguiam as horas, sorri-lhe de volta num "que bonito que estás hoje!", a
que ele respondeu com uma leve brisa matinal cheia de paz e daquela
tranquilidade que só os jardins e as árvores têm porque crescem com a
certeza que "atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir". É nesse respirar que vão acordara calma de quem sabe
que, ainda que atrasada, a Primavera chega sempre e enche-nos
de aromas e flores coloridas com que salpica os dias.
De
repente lembrei-me dos ponteiros e das horas e dos compromissos que se
aproximavam em grande velocidade, e do porquê do meu regresso. Tinha
voltado atrás à procura de um acessório importante para as histórias que
tencionava contar, como o pato que não sabe nadar sem o pauzinho que o
segura ao céu, e afinal estava tudo ali, naquela paz, naquela
tranquilidade que se inspira e depois se transporta connosco e se
partilha com quem nos ouve.
Hoje
o meu jardim vestiu-se de verde para mim e eu, alegre com a surpresa,
peguei no seu aroma e cor e vivacidade e levei-os comigo no meio de um
conto!
Liliana
“Eu pego na minha viola
E canto assim
Esta vida
A correr
Eu sei que é pouco e não consola
Nem cozido à portuguesa há sequer
Quem canta sempre se levanta
Calados é que podemos cair
Com o vinho molha-se a garganta
Se a lua nova está para subir
Que atrás dos tempos vêm tempos
E outros tempos hão-de vir
Eu sei de histórias verdadeiras
E canto assim
Esta vida
A correr
Eu sei que é pouco e não consola
Nem cozido à portuguesa há sequer
Quem canta sempre se levanta
Calados é que podemos cair
Com o vinho molha-se a garganta
Se a lua nova está para subir
Que atrás dos tempos vêm tempos
E outros tempos hão-de vir
Eu sei de histórias verdadeiras
Umas belas
Outras tristes de assombrar
Do marinheiro morto em terra
Em luta por melhor vida no mar
Da velha criada despedida
Que enlouqueceu e se pôs a cantar
E do trapeiro da avenida
Mal dormido se pôs a ouvir
Que atrás dos tempos vêm tempos
E outros tempos hão-de vir
Sei de vitórias e derrotas
Nesta luta que se há-de vencer
Se quem trabalha não esgosta
No seu salário sempre a descer
Olha a polícia
Olha o talher
Olha o preço da vida a subir
Mas quem mal faz
Por mal espere
Se o tirano fez a festa
P'ra fugir
Que atrás dos tempos vêm tempos
E outros tempos hão-de vir
Mas esse tempo que há-de vir
Não se espera como a noite
Espera o dia
Nasce da força que transpira
De braços e pernas em harmonia
Já basta tanta desgraça
Que a gente tem no peito
A cair
Não é do povo
Nem da raça
Mas do modo como vês o porvir
Que atrás dos tempos vêm tempos
E outros tempos hão-de vir “
Outras tristes de assombrar
Do marinheiro morto em terra
Em luta por melhor vida no mar
Da velha criada despedida
Que enlouqueceu e se pôs a cantar
E do trapeiro da avenida
Mal dormido se pôs a ouvir
Que atrás dos tempos vêm tempos
E outros tempos hão-de vir
Sei de vitórias e derrotas
Nesta luta que se há-de vencer
Se quem trabalha não esgosta
No seu salário sempre a descer
Olha a polícia
Olha o talher
Olha o preço da vida a subir
Mas quem mal faz
Por mal espere
Se o tirano fez a festa
P'ra fugir
Que atrás dos tempos vêm tempos
E outros tempos hão-de vir
Mas esse tempo que há-de vir
Não se espera como a noite
Espera o dia
Nasce da força que transpira
De braços e pernas em harmonia
Já basta tanta desgraça
Que a gente tem no peito
A cair
Não é do povo
Nem da raça
Mas do modo como vês o porvir
Que atrás dos tempos vêm tempos
E outros tempos hão-de vir “
Atrás dos tempos – Fausto Bordalo Dias